quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

                    A Noite Escura e Mais Eu

Lygia Fagundes Telles retoma, em seu 17° livro, o gênero do conto, com o qual iniciou a sua carreira, e mergulha na condição humana reunindo nove histórias escritas e reescritas ao longo de quatro anos de trabalho e que vêm honrar a tradição de uma das grandes damas da literatura brasileira. A noite escura e mais eu está sendo relançado pela Rocco, minuciosamente revisado pela própria autora e com novo design gráfico.
Com seu jeito genuíno e único de escrever, Lygia volta a temas recorrentes de sua obra, como a morte, a solidão, o amor, a velhice, envolvendo-nos em um mundo riquíssimo em experiências humanas, povoado por anjos e demônios, angústias e alegrias, medos, ilusões e desilusões. A autora está de volta ao seu leque de perplexidades, e suas personagens, aqui, são garotinhas, cachorros, anões, que espiam os homens e suas extravagâncias.
Esse universo misterioso das histórias de Lygia pode ser observado e sentido logo no primeiro conto, "Dolly", ambientado nos anos 20. A personagem é uma moça na faixa dos vinte anos que queria ser artista de cinema mudo. O conto é narrado por Adelaide, da mesma idade, mas de personalidade ingênua e conservadora, com quem Dolly quer dividir a moradia enquanto não alcançava as luzes da ribalta. Adelaide encontra o cadáver de Dolly violentada depois de uma noite de farra e suja suas luvas de sangue ficando, aparentemente, apavorada.
Personagens em crise diante da velhice são apresentados no conto "Boa noite, Maria", que enfoca o amor de uma mulher de sessenta e cinco anos por um homem de cinqüenta. É um conto sobre um possível direito à eutanásia, sobre o horror da decomposição e a fuga da morte como aviltamento. A solidão é o pano de fundo dessa história, a mesma solidão que permeia quase todas as personagens deste livro que, a exemplo dos anteriores da autora, traz enredos ambíguos que às vezes se aproximam do realismo fantástico.
Em "Anões de jardim", um dos melhores da coletânea, o narrador é um ser de pedra que tem alma e quer sobreviver à demolição da casa cujo jardim habita. Fala de uma perseguição à imortalidade, de uma continuação da vida em qualquer forma, mesmo a mais vil. Nos outros contos, a autora desliza em verdadeiros instantâneos das relações humanas, como o da mãe à beira do túmulo da filha tentando compreender como ela foi capaz de ter como amante uma outra mulher. Ou a história de Kori, mulher rica e infeliz no casamento, que vai para a cama com o homem que ela sabe que é apaixonado pelo seu marido.
Lygia aposta no absurdo, mantém seu estilo intimista em suas reflexões sobre as fraquezas humanas nesses nove contos de mistério e paixão de A noite escura e mais eu, cujo título nasceu de um poema de Cecília Meirelles: " Ninguém abra a sua porta/ pra ver o que aconteceu:/ saímos de braço dado/ a noite escura e mais eu."

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